quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Escárnio perfumado (CRUZ e SOUSA)


Quando no enleio

De receber umas notícias tuas,

Vou-me ao correio,

Que é lá no fim da mais cruel das ruas,


Vendo tão fartas,

D'uma fartura que ninguém colige,

As mãos dos outros, de jornais e cartas

E as minhas, nuas - isso dói, me aflige...


E em tom de mofa,

Julgo que tudo me escarnece, apoda,

Ri, me apostrofa,


Pois fico só e cabisbaixo, inerme,

A noite andar-me na cabeça, em roda,

Mais humilhado que um mendigo, um verme...

Tu Queres Sono: Despede-te dos Ruídos (ANA CRISTINA CESAR)


Tu queres sono: despe-te dos ruídos,

e dos restos do dia, tira da tua boca

o punhal e o trânsito, sombras de

teus gritos, e roupas, choros, cordas e

também as faces que assomam sobre a

tua sonora forma de dar, e os outros corpos

que se deitam e se pisam, e as moscas

que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças)

que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que

esqueceram teus braços e tantos movimentos

que perdem teus silêncios, o os ventos altos

que não dormem, que te olham da janela

e em tua porta penetram como loucos

pois nada te abandona nem tu ao sono.