sexta-feira, 29 de maio de 2009

A JAULA (Alejandra Pizarnik)


Lá fora faz sol.

Não é mais que um sol

mas os homens olham-no

e depois cantam.


Eu não sei do sol.

Sei a melodia do anjo

e o sermão quentedo último vento.

Sei gritar até a aurora

quando a morte pousa nua

em minha sombra


Choro debaixo do meu nome.

Aceno lenços na noite

e barcos sedentos de realidade

dançam comigo.Oculto cravos

para escarnecer meus sonhos enfermos.


Lá fora faz sol.

Eu me visto de cinzas

UIVO (Allen Ginsberg)


Eu vi os expoentes de minha geração destruídos pela

loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,

arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em

busca de uma dose violenta de qualquer coisa,

"hipsters" com cabeça de anjo ansiando pelo antigo contato

celestial com o dínamo estrelado da maquinaria da noite,

que pobres, esfarrapados e olheiras fundas, viajaram fumando

sentados na sobrenatural escuridão dos miseráveis

apartamentos sem água quente, flutuando sobre os tetos

das cidades contemplando jazz,

que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado e viram

anjos maometanos cambaleando iluminados nos telhados

das casas de cômodos,que passaram por universidades com os olhos frios e

radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz de William

Blake entre os estudiosos da guerra, que foram expulsos

das universidades por serem loucos e publicarem odes

obscenas nas janelas do crânio,

que se refugiaram em quartos de paredes de pintura

descascada em roupa de baixo queimando seu dinheiro em

cestas de papel, escutando o Terror através da parede,

que foram detidos em suas barbas públicas voltando por Laredo

com um cinturão de marijuana para Nova York,

que comeram fogo em hotéis mal-pintados ou beberam

terebentina em Paradise Alley, morreram ou flagelaram

seus torsos noite após noite,


(...)

UMA CRIATURA (Machado de Assis)




Sei de uma criatura antiga e formidável,


que a si mesma devora os membros e as entranhas,


com a sofreguidão da fome insaciável.




Habita juntamente os vales e as montanhas;


e no mar, que se rasga à maneira de abismo,


espreguiça-se toda em convulsões estranhas.




Traz impresso na fronte o obscuro despotismo.


Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,


parece uma expansão de amor e de egoísmo.




Friamente contempla o desespero e o gozo,


gosta do colibri como gosta do verme,


e cinge ao coração o belo e o monstruoso.




Para ela, o chacal é como a rola inerme,


e caminha na terra imperturbável como,


pelo vasto areal, um vasto paquiderme.




Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo,


vem a folha que, lento e lento, se desdobra,


depois a flor, depois o suspirar do pomo.




Pois essa criatura está em toda a obra,


cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto.


E é nesse destruir que as suas forças dobra.




Ama de igual amor o poluto e o impoluto;


começa e recomeça uma perpétua lida,


e sorrindo obedece ao divino estatuto.


Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a Vida.

O DESFECHO (Machado de Assis)


Prometeu sacudiu os braços manietados

e súplice pediu a eterna compaixão,

ao ver o desfilar dos séculos que vão

pausadamente, como um dobre de finados.


Mais dez, mais cem, mais mil e mais um bilião,

uns cingidos de luz, outros ensangüentados...

Súbito, sacudindo as asas de tufão,

fita-lhe a águia em cima os olhos espantados.


Pela primeira vez a víscera do herói,

que a imensa ave do céu perpetuamente rói,

deixou de renascer às raivas que a consomem.


Uma invisível mão as cadeias dilui;

frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui;

acabara o suplício e acabara o homem.